domingo, 12 de março de 2017

TRILOGIA SOBRE O TRABALHO - PARTE 3: OS 40 ANOS DE MOISÉS NO DESERTO

“O fardo é proporcionado às forças, como a recompensa o será à resignação e à coragem. Mais opulenta será a recompensa, do que penosa a aflição. Cumpre, porém, merecê-la, e é para isso que a vida se apresenta cheia de tribulações”¹.
Moisés saiu do Egito com seu povo em uma fuga que entrou para a história por vários motivos. Um deles foi o fato de um único homem ter conseguido organizar e coordenar os esforços de cerca de 600 mil homens a pé² (sim, eu disse “homens”, portanto se adicionarmos aí as mulheres e as crianças, o número chegaria a mais de 2 milhões de pessoas). Outro ponto de relevância seria a travessia do Mar Vermelho, com a mágica abertura de suas águas para a passagem dos judeus. Mas, o que queremos chamar atenção em nosso artigo é para o fato de que, mesmo com uma distância tão curta (a península do Sinai tem por volta de 200 km de largura), os judeus tenham tido a necessidade de permanecer no deserto por 40 anos antes de entrar na Terra Prometida.
Como entender um espaço de tempo tão longo que fez com que toda uma geração tenha sido renovada antes de entrar em Canaã? Se foi Deus que indicou o caminho a Moisés e nunca deixou faltar nada ao povo judeu enquanto estiveram em peregrinação, por que Ele não autorizou a entrada do povo na Terra que lhes havia prometido? E vamos mais além, por que Moisés, que foi quem ficou responsável pela fuga e pelo povo ao longo de todo esse tempo, não teve o privilégio de pisar nas terras sagradas?


Quantas vezes, em meio a um esforço extremo, nos pegamos desanimados e descrentes por acharmos que não estamos sendo ouvidos por Deus ou que o mundo é muito injusto? O tempo é uma das ferramentas das quais nosso Pai dispõe para disciplinar-nos a vontade.
Toda vez que nos propomos a algo, o tempo serve como um grande testador de nossas verdadeiras intenções. A maioria de nós sucumbe diante do primeiro obstáculo ou diante da espera para a obtenção de um resultado que é considerado por nós como “justo” e “merecido”.  Mas será que realmente somos merecedores do resultado que queremos? Será que esse resultado é o que será melhor para nós? E será que nossa vontade é assim tão grande a ponto de nos fazer resistir e perseverar mesmo quando esse resultado não vem tão rapidamente como esperamos?
Como podemos perceber, temos muito mais perguntas do que respostas. O que nos leva a considerar que, muito provavelmente, não caiba a nós a tarefa de julgar a justiça ou a injustiça dos fatos através da ótica estreita que temos sobre a vida. A verdade é que constantemente a justiça divina nos coloca diante do tempo, inspirando-nos a ter paciência e perseverança para a resolução dos nossos “grandes dilemas” e confiança de que tudo o que nos acontece é o melhor que poderia acontecer de acordo com a justiça de Deus.
O esforço que empenhamos hoje ainda é infinitamente menor do que o tempo que levamos perdidos no erro e no ócio. Não podemos extinguir séculos de inércia de uma hora para outra e querermos que prontamente Deus nos recompense, somente porque decidimos “agora” começar a caminhar. É como passar a vida inteira na glutonaria e desejar obter emagrecimento e saúde instantâneos já no primeiro dia de academia.
“Recordemos que o campo do nosso coração está cheio de ervas espinhosas, demorando, talvez, há muitos séculos, em terrível esterilidade. Naturalmente, não deveremos esperar colheitas milagrosas. É indispensável amanhar a terra e cuidar do plantio”³.
O trabalho exige de nós uma dedicação sem igual! É preciso que tenhamos consciência de que antes de pleitearmos os nossos direitos, precisamos estar plenamente engajados em cumprir o nosso dever. Somente a Deus cabe a decisão sobre a colheita que teremos, mas sem plantio e sem esperar o tempo certo para que a plantação se desenvolva, a colheita fica totalmente inviabilizada.
“Façamos todos o bem, sem qualquer ansiedade. Semeemo-lo sempre e em toda a parte, mas não estacionemos na exigência de resultados. O lavrador pode espalhar as sementes à vontade e onde quer que esteja, mas precisa reconhecer que a germinação, o crescimento e o resultado pertencem a Deus”4.
Moisés foi convocado ao trabalho, confiou que estava sendo guiado por Deus e seguiu adiante com sua fé, apesar de todas as dificuldades e da descrença do seu povo que, ao perceber que os resultados não vinham de imediato, começaram a se rebelar contra Deus e uns contra os outros. Todos eles eram escravos no Egito, mas ao enfrentarem as dificuldades do deserto, começaram a se perguntar se não era melhor terem permanecido escravos, mas com casa para morar e comida para comer, do que serem livres passando fome e dormindo ao relento.
Moisés precisou esperar 40 anos, num trabalho intenso de dedicação à obra de Deus, mas não foi agraciado com o resultado esperado: entrar na Terra Prometida. Em compensação, conquistou para si algo muito mais valioso: o domínio sobre si mesmo e a construção íntima de uma fé inabalável no Pai. Teríamos nós a mesma firmeza de caráter se soubéssemos que não teríamos a recompensa esperada?

Talvez o nosso hábito em postergar a responsabilidade do trabalho venha justamente do fato de sabermos que a verdadeira recompensa se dará nos céus e não na Terra. Quando percebemos que não há uma previsão exata de ganhos ou perdas, postergamos também as nossas ações. Preferimos manter as “vantagens” que acreditamos ter permanecendo onde estamos, a arriscar perdê-las sem ter nenhuma previsão de quando, como ou quais serão as vantagens que iremos adquirir com a mudança de nossas atitudes. Somente quando uma doença grave nos acomete é que percebemos a fragilidade de nossa existência e começamos a correr atrás do tempo perdido querendo fazer como Juscelino Kubitschek que prometeu fazer “50 anos em 5”. O problema é que quanto mais tempo levemos para cuidar da terra, pior será o estado que a encontraremos para o plantio, e maior deverá ser o esforço e o tempo necessários para recuperá-la e deixá-la pronta para receber as sementes.
O trabalho no bem é tarefa divina para a regeneração e ascensão do homem a planos mais elevados da criação! Não podemos nos dar ao luxo de postergar nossos deveres, sem querer assumir as consequências de nossa leviandade.
O tempo de Deus é o tempo perfeito para todas as coisas! Que saibamos respeitá-lo e aceita-lo, mesmo que ainda não o compreendamos totalmente! Que com nossos esforços, paciência e perseverança possamos nos tornar dignos de sermos chamados “Filhos de Deus”!

“Senhor, ensina-nos a receber as bênçãos do serviço! Ainda não sabemos, Amado Jesus, compreender a extensão do trabalho que nos confiaste! Permite, Senhor, possamos formar em nossa alma a convicção de que a Obra do Mundo te pertence, a fim de que a vaidade não se insinue em nossos corações com as aparências do bem!
Dá-nos, Mestre, o espírito de consagração aos nossos deveres e desapego aos resultados que pertencem ao teu amor! Ensina-nos a agir sem as algemas das paixões, para que reconheçamos os teus santos objetivos!

Senhor Amorável, ajuda-nos a ser teus leais servidores; Amoroso, concede-nos, ainda, as tuas lições; Juiz Reto, conduze-nos aos caminhos direitos; Médico Sublime, restaura-nos a saúde; Pastor Compassivo, guia-nos à frente das águas vivas; Engenheiro Sábio, dá-nos teu roteiro; Administrador Generoso, inspira-nos a tarefa; Semeador do Bem, ensina-nos a cultivar o campo de nossas almas; Carpinteiro Divino, auxilia-nos a construir nossa casa eterna; Oleiro Cuidadoso, corrige-nos o vaso do coração; Amigo Desvelado, sê indulgente, ainda, para com as nossas fraquezas; Príncipe da Paz, compadece-te de nosso espírito frágil, abre nossos olhos e mostra-nos a estrada de teu Reino!”5


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
¹ ESE, cap. X, item 18
² Êxodo 12,37
³ Os Mensageiros, André Luís, cap. 35
4 Os Mensageiros, André Luís, cap. 26
5 Os Mensageiros, André Luís, cap. 51

Um comentário:

  1. A maioria de nós sucumbe diante do primeiro obstáculo ou diante da espera para a obtenção de um resultado que é considerado por nós como “justo” e “merecido”.

    ResponderExcluir