Você é preconceituoso? Ou preconceituosa? Já pensou sobre isso?
Ou melhor, já pensou sinceramente sobre isso? Ser espírita, entre outras
coisas, é saber que preconceito contraria a lógica de Deus. Mas, sabemos conviver
com isso? Vivemos numa época de bombardeio de informações, numa velocidade às
vezes muito maior do que a que conseguimos processar o mundo à nossa volta. Em
meio a esse caos, absorvemos e reproduzimos muitos conceitos e ideias que vêm
prontos, conforme um pensamento de uma maioria social (seja de grandes ou
pequenos grupos aos quais pertencemos) ou de certa categoria dominante, conforme
o meio em que nos encontramos.
Daí que é bem provável que alguns de nós apreendamos conceitos
que depois reproduzimos sem mesmo analisá-los. Alguns podem dizer que esse ou
aquele comentário é feito em tom de brincadeira ou de modo carinhoso ou então
foi “só para não perder a piada” com determinado colega de trabalho ou de
escola, mas no fundo sabemos dos fantasmas que habitam dentro de cada um de nós
e do que de fato falamos expressando sentimentos que nem sempre gostaríamos que
existissem. O bom e velho espírita, que encontra seu refúgio e, não raro, seus
poucos momentos de paz na Casa Espírita, não está isolado dessa torrente. Quantos
de nós, no aconchego e na proteção da redoma de uma Casa Espírita séria, não
nos vemos alegres e prestativos ao poder auxiliar ou conviver, conforme o caso,
com um irmão viciado em drogas ou uma prostituta ou um morador de rua ou com
homossexuais ou “pessoas de cor” – (aliás, se negros são pessoas de cor,
brancos são o quê? Expressão terrível...). Porém, longe da aura pacificadora,
como fica nosso comportamento diante das, por assim dizer para ser politicamente
correto, minorias sociais? Reflita, sinceramente. Conseguimos suportar a pressão
de manter nossos olhos voltados para a alma e não para as aparências?
Conseguimos entender no outro a coragem para assumir
comportamentos ou condições que por vezes sufocamos em nós mesmos e combatemos
por termos medo de nossa fraqueza? Sabemos sorrir diante de pessoas que são
como espelhos vivos de nós mesmos, mas, diferentemente do que estamos
acostumados, não projetam, nos outros suas falhas e sim as vivem e convivem com
elas? Não podemos e nem devemos crer que estamos um degrau acima de ninguém,
quem quer que seja. Não podemos nos sentir os eleitos ou os preferidos, do
contrário é bem provável que não teríamos reencarnado aqui, neste planeta (e não,
não somos espíritos elevados em missão divina...).
Somos seres repletos de imperfeição e com as quais teremos
de lidar, mais cedo ou mais tarde. Deus, porém, com toda a sua sapiência e
sabedor de nossa fragilidade, não nos impõe a árdua tarefa de nascer e renascer
com toda a carga de imperfeições e desajustes de uma só vez: ele permite que
compartilhemos essas dificuldades com outros espíritos, nossos irmãos
encarnados. Alguém que fuja aos padrões ditados (ditadura mesmo) pelo grupo social
deve ser visto por nós, antes de tudo, como um irmão, e também como uma
oportunidade de praticar a aceitação e o amor demonstrados pelo Cristo. Jesus não
escolhia seus companheiros pela aparência nem as pessoas de seu convívio ou com
as quais comia ou compartilhava abrigo pela sua posição social ou reputação.
Ele, conhecedor das dores da alma, sabia como ninguém que a lei da reencarnação
não permite essa vaidade de se sentir superior à outra pessoa: nesta vida somos
reis, na próxima poderemos ser o bobo da corte.
É comum ouvir espíritas se gabando do clima de liberdade com
responsabilidade de um Centro Espírita, da maneira acolhedora como ele abre
suas portas. Se nos sentimos bem assim, por que então a dificuldade de abrirmos
também nossas próprias? Será o medo do que outros irão pensar ou dizer? Como
disse Jesus, não é o que entra por nossas bocas que nos torna impuros, mas sim
o que sai delas, ou seja, não é abraçar o leproso ou conversar com o velho ou
estender a mão ao miserável que nos tornará menores ou menos capazes, mas sim o
projetar nessas situações um medo ou uma vergonha injustificáveis. Não será o
revelar de nossas naturezas íntimas que nos tornará impuros, mas sim o não
querer conviver com elas.
Por falar nisso, aceitar nossas imperfeições e a de nossos
irmãos de jornada não significa acomodar-se com a existência delas nem tampouco
moldar-se a isso. É ter paciência, procurar discernir com lógica cada situação
(já que as leis de Deus são todas fundamentadas em lógica e não mudam ao bel prazer
do criador) cada situação e entender que se há, de fato, um desequilíbrio ou
uma dificuldade, a saída não é o desespero: é a tolerância.
Ora, como crer que alguém pode ser melhor ou pior do que
outro pela cor de sua pele, se essa é uma característica ditada simplesmente por
fatores químicos do organismo, como a cor dos olhos, por exemplo? Como reprovar
as pessoas que não cumprem a convenção social de se casar no papel? Uma
assinatura de um juiz vale mais do que o amor responsável entre dois seres? E
tantas outras formas de ser e viver que ferem o orgulho do ego social perfeito,
normalmente branco, rico, heterossexual e eleito de Deus para o dia do juízo
final? Será que em outras encarnações já não provamos de tais dificuldades? Ou
será que ainda não chegamos a experimentar tais provas, pois, pela misericórdia
divina, estamos ainda sendo preparados? Nós temos os exemplos de
Jesus, que mesmo diante dos considerados maiores pecadores e
devedores da sua época, não tecia reprovações ou juízos. Limitava-se a perdoar
e recomendar “-Vá e não peques mais". Nós temos o consolador prometido,
que em seus aspectos filosófico, científico e religioso nos reforça o
ensinamento de amarmos ao próximo como a nós mesmos e fazermos a ele exatamente
o que gostaríamos que nos fizessem.
E veja que nada disso significa “passar a mão” sobre cabeças
ou ser condescendente. Significa compreender que somos, antes de tudo,
espíritos irmãos, filhos de um mesmo e único criador. Que somos criaturas em
evolução, numa jornada mais ou menos tortuosa conforme o que fizemos até aqui
por merecer. Que padrões sociais que estão aí, em voga, foram criados por
homens, seres altamente falíveis, e que o que hoje é, há duzentos anos não era
e daqui a pouco não será novamente. Que não temos de julgar, mas procurar
compreender os motivos do outro – ou suas dificuldades ou necessidades, tendo
em mente que cada um possui seu tempo e que, para que assim seja, Deus nos deu o livre-arbítrio. Se me fiz
entender, peço que reflita. As linhas até aqui escritas foram uma introdução para
tentar responder às duas primeiras perguntas. Peço também que termine de
respondê-las – para si mesmo. Sinceramente.
(Por Pablo Angely)
Assista ao vídeo: https://goo.gl/rTNo8x
Revista Joseph Gleber - Ano 1 - Edição 3
- Março 2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário