sábado, 1 de abril de 2017

Vegetarianismo e Espiritismo

Esse artigo tem como objetivo levar ao conhecimento qual é o posicionamento do espiritismo em relação ao vegetarianismo. Antes de entrarmos no objetivo central, vale percorrer alguns pontos sobre o que vem a ser a dieta baseada no vegetarianismo.

O vegetarianismo é uma dieta na qual não há o consumo de nenhum alimento cuja fabricação ou produção consiste em tirar a vida de um animal. O regime vegetariano não é, pois, exclusivamente vegetal e seu nome não se origina de alimentação vegetal e, sim, do latim vegetus que significa "forte", "vigoroso", "saudável".  Existem várias ramificações da Dieta Vegetariana, são elas:

Ovo-lacto-vegetariano: adeptos dessa dieta não consomem nenhum tipo de carne de outros animais, mas podem consumir ovos, leite e seus derivados, como queijo, iogurte, etc. Esta é uma das formas mais "populares" de vegetarianismo.

Lacto-vegetariano: adeptos dessa dieta não consomem nenhum tipo de carne de outros animais, mas incluem leite e seus derivados na dieta.

Vegano: os adeptos ao regime vegano excluem de sua alimentação todos os produtos de origem animal.  Além de carnes, peixes, aves e laticínios, excluem ainda ovos, mel, gelatina. Os veganos também evitam o uso de couro, lã, seda e de outros produtos menos óbvios de origem animal, como óleos e secreções presentes em sabonetes, xampus, cosméticos, detergentes, perfumes, filmes, etc. O veganismo é mais um estilo de vida do que apenas uma opção alimentar. Esta opção é seguida como um princípio, pois é quase impossível ser 100% vegano, pois nesse caso o vegano não poderia ir ao cinema (porque a película do filme contém gelatina), não poderia andar de carro ou de ônibus, porque os pneus contêm produtos de origem animal e muitas vezes os bancos são de couro.

Vegetariano estrito: originalmente o mesmo que vegano.

Crudívoro: os adeptos a dieta crudívora admitem apenas a ingestão de alimentos crus, excluindo também a carne de outros animais.

Frugívoro (ou frutívoro ou frutariano): os adeptos a essa dieta admitem apenas o consumo de frutas na alimentação excluindo também a carne de outros animais.

Independente das suas diversas ramificações, a dieta vegetariana tem como objetivo a preservação dos animais e do meio ambiente, ela visa à harmonização do homem com a natureza, mostrando que a alimentação pode ser rica sem a utilização de sacrifício de outras espécies e que é possível um convívio harmônico com os animais, livre de crueldade e brutalidade. Ela busca o equilíbrio da cadeia alimentar sem o prejuízo das vidas dos animais. Não está ligada a nenhuma seita ou religião, é uma dieta e também um estilo de vida. Existem adeptos dessa dieta entre várias religiões e até mesmo fora delas.

O espiritismo é uma doutrina baseada nos ensinamentos do Cristo, onde a Lei do Amor e da Caridade norteiam o nosso espírito a uma elevação moral e espiritual. Dentro desses pilares existem diversas orientações para que tenhamos uma vida equilibrada, com aproveitamento máximo do nosso período como encarnados, visando sempre superação dos nossos defeitos e imperfeições. Uma alimentação diferenciada pode cooperar para o alcance desse objetivo.

Entre as orientações para uma vida equilibrada, encontram-se no Livro do Espíritos, Capítulo V, entre as questões 720 e 724, que trata da Lei de Conservação, questões feitas ao Espírito Verdade sobre a legitimidade do consumo de carne de outros animais na nossa alimentação, a resposta vem a seguir 

“Dada a vossa constituição física, a carne alimenta a carne, do contrário o homem perece. A lei de conservação lhe prescreve, como um dever, que mantenha suas forças e sua saúde, para cumprir a lei do trabalho. Ele, pois, tem que se alimentar conforme o reclame a sua organização” (Questão 723 do L. E.).

Com base nessa resposta, entende-se por legitimado o consumo de carne de outros. No entanto, a própria Doutrina Espírita, por sua natureza evolucionista, nos incentiva a reflexão e ao constante questionamento das coisas.   A expressão “a carne alimenta a carne” pode ser compreendida no sentido amplo, de que, pelo fato de estarmos ligados a um corpo material, precisamos de alimentos materiais para nutri-lo. Não necessariamente a carne de outros animais. Miramez em seu comentário ao Livro dos Espíritos vai um pouco além e leva-nos a uma reflexão sobre essa questão:
”Cabe ao homem, por lei, respeitar as exigências do próprio organismo, desde quando não entre no excesso, por já passar ao desperdício. Não se pode generalizar certos regimes; eles devem ficar à solta para as consciências escolherem se devem segui-lo... O alimento animal, com o progresso, deverá ceder lugar à alimentação vegetariana... Enquanto se precisa da carne, usando-a com equilíbrio, o "não matarás" vai se elevando no entendimento da sociedade, pelas asas do progresso. A imposição é contrária à lei de amor. Isso somente é permitido entre as raças primitivas, onde os encarnados são como crianças que devem ser orientadas e dirigidas, sem que o livre-arbítrio possa se manifestar com mais amplitude. Se a organização fisiológica de alguém requer carne animal e este pode enfraquecer se não a comer ele não deve deixá-la; mas, se o organismo já rejeita a alimentação animal, para que usá-la? Tudo no mundo está certo, somente o que não é certo é usarmos o que não nos convém, por tais ou quais circunstâncias”.

A Doutrina Espírita foi codificada em 1857, com a publicação da primeira edição do Livro dos Espíritos, desde essa época já ocorreram, e ainda ocorrem, diversos avanços científicos na área da nutrição humana e já temos conhecimento de que é possível ter uma vida perfeitamente saudável sem o consumo de carne. Esses dados são de conhecimento público e estão disponíveis nas mais variadas fontes.
O espiritismo não condena e nem proíbe o consumo da carne de outros animais, mas nos chama à reflexão e ao raciocínio. Em diversas passagens do evangelho de Jesus somos alertados sobre os excessos de todas as naturezas, somos chamados à responsabilidade das nossas escolhas e a alimentação é uma delas.

A dieta alimentar é uma questão muito particular de cada indivíduo, algumas pessoas não podem se abster do consumo de carne por razões biológicas e de saúde, já outras nascem sem gosto para uma alimentação carnívora e esta não lhes faz falta, enquanto outras fazem a abstenção apenas por fazer, seguindo um gosto pessoal e sem nenhuma razão filosófica. Não existem padrões e nem regras, o que existe é o exercício do livre arbítrio, onde o homem escolhe o que vai consumir e como vai consumir.   
Na questão 722 do Livro dos Espíritos, Kardec questiona o Espírito Verdade sobre a abstenção de alguns alimentos e a resposta é direta: “é permitido ao homem alimentar-se de tudo o que lhe não prejudique a saúde. Alguns legisladores, porém, com um fim útil, entenderam de interdizer o uso de certos alimentos e, para maior autoridade imprimirem às suas leis, apresentaram-nas como emanadas de Deus”.

Miramez tece uma explanação muito completa sobre essa resposta “Muitos legisladores formaram certos preceitos, um dos quais é a abstenção de certos alimentos, deduzindo que quem deles se alimentasse passava a ter a mesma natureza do ingerido, assim como certos povos primitivos acreditavam que, devorando seu irmão guerreiro, herdavam a sua bravura. O tempo passa, e está passando a época de abstenção das coisas externas, vindo o homem a se fazer de esquecido do mundo interno, cheio de hábitos e vícios contrários às leis de Deus”, e ainda complementa “O homem pode alimentar-se de tudo que não o prejudique... A abstenção que devemos fazer é do ódio, da inveja, do ciúme, da prepotência, do orgulho e do egoísmo. Comer isso ou aquilo, ou deixar de comer, não ilumina nem atrasa ninguém, desde quando se use de discernimento. Somente o equilíbrio faz nascer a tranquilidade na cidade da alma”.

Nesse sentido, compreendemos que abster-se do consumo de carne de outros animais não nos torna mais evoluídos e nem mais ou menos iluminados, a transformação moral é e sempre será o caminho para a iluminação.
O homem, através da análise e profunda reflexão, se abstém do consumo de carne por entender que os animais são nossos irmãos, são espíritos e, por isso, evoluem.  O indivíduo que também compreende o prejuízo é causado à natureza pela poluição produzida pelas indústrias agropecuárias, está de fato caminhando para uma consciência mais evoluída, na qual enxerga todos os seres com amor, pensa na coletividade e pratica a caridade com o ato de se abster.

No Evangelho Segundo o Espiritismo, Capítulo V, item 26, Instruções dos Espíritos, que trata das provas voluntárias, um anjo guardião elucida a questão do sacrifício voluntário: “Disse Jesus, ‘bem-aventurados os aflitos’, haverá mérito em procurar, alguém, aflições que lhe agravem as provas, por meio de sofrimentos voluntários? A isso responderei muito positivamente: sim, há grande mérito quando os sofrimentos e as privações objetivam o bem do próximo, porquanto é a caridade pelo sacrifício; não, quando os sofrimentos e as privações somente objetivam o bem daquele que a si mesmo as inflige, porque aí só há egoísmo por fanatismo”.
Podemos estender esse ensinamento e considerar o mérito da escolha consciente de uma alimentação, cujo objetivo é de preservar a vida dos animais e para colaborar com a preservação da natureza harmonizando-se com as leis divinas.  A opção de cada indivíduo por esta ou aquela alimentação se dará de acordo com o despertamento espiritual de cada um, de acordo com seu grau evolutivo. Portanto, não é preciso forçar nada.
Outro aspecto interessante sobre o consumo de carne é revelado em obras como “Missionários da Luz” de André Luiz e “O Consolador” de Emmanuel, ambas ditadas ao médium Francisco Cândido Xavier, onde é recomendado a redução ou abstenção do consumo de carne pelos médiuns nos dias de reunião mediúnica. Essa orientação é feita porque a carne é composta de proteínas de difícil digestão pelo nosso organismo e a energia dispensada para digestão seria um desfalque para a energia que precisa ser empregada para uma boa prática mediúnica. A mesma orientação é dada aos passistas que trabalham dispensando energias em favor dos necessitados. Mas é válido frisar que é uma recomendação, e pode ou não ser seguida, de acordo com a vontade de cada um, assim como explica o médium e estudioso da doutrina Raul Teixeira:
É mais compreensível, e me parece mais lógico, que a pessoa coma no almoço o seu bife, se for o caso, ou tome seu cafezinho pela manhã, do que passar todo o dia atormentada pela vontade desses alimentos, sem conseguir retirar da cabeça o seu uso, deixando de concentrar-se na tarefa, em razão da ansiedade para chegar em casa, após a reunião, e comer ou beber aquilo de que tem vontade”.

Ora, se o objetivo da prática mediúnica é a nossa evolução moral e temos conhecimento de que para uma boa prática podemos seguir determinadas instruções, por que não as seguir? Se podemos colaborar para um trabalho mais equilibrado, por que não o fazer? 
Várias obras de Emmanuel e de André Luiz também trazem ao nosso conhecimento a capacidade material que o homem já tem de não consumir a carne, porém, é preciso lembrar que nem sempre o espírito acompanhará a matéria, e que muitas vezes as mazelas que precisamos superar são muito maiores do que a de consumir carne. Precisamos evoluir muito em muitos aspectos, a alimentação é um deles, mas torna-se secundária no momento em que não conseguimos olhar para nós mesmos com o amor que o Cristo nos ensinou. 

Com o decorrer do tempo a humanidade caminhará para uma consciência de coletividade. Os habitantes do Planeta Terra dos dias de hoje já buscam meios para viver em harmonia com o planeta, reparando danos causados ao ecossistema, cessando determinadas atitudes extremamente prejudiciais à natureza e interagindo com mais consciência com o meio ambiente. Estamos longe de consertar tudo por sermos ainda espíritos imperfeitos em fase de provas e expiações. Mas consequentemente o progresso moral levará a humanidade ao Mundo de Regeneração, onde escolhas como a dieta vegetariana, onde não precisaremos tirar a vida de outro ser para nos alimentarmos, serão comuns.
O espiritismo é uma religião que caminha lado a lado com a ciência e a filosofia, não existem dogmas, todas as instruções são claras, têm fundamento nos ensinamentos do Cristo e intuito do aprimoramento espiritual. É necessário se modificar sempre! Não só a dieta que escolhemos como alimento para matéria. É preciso modificar a alma. As escolhas conscientes feitas com amor e fazendo bom uso do nosso livre arbítrio nos levarão ao caminho do Mestre. Não existem atalhos para o reino de Deus. Precisamos primeiro nos libertar das amarras do egoísmo, do orgulho, da falta de amor e da maldade, com esforço e resignação. Lembremo-nos sempre do ensinamento de nosso Mestre Jesus “Não é o que entra pela boca o que faz imundo o homem, mas o que sai da boca, isso é o que faz imundo o homem”.

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***Nota-se que durante o texto é utilizada a expressão “carne de outros animais”, essa foi feita propositalmente para nos levar à reflexão de que nós homens também somos animais e que devemos gradativamente entender essa relação considerando-nos mutuamente filhos de Deus, habitantes do mesmo planeta e irmãos na jornada evolutiva. Leia mais sobre isso no artigo “A espiritualidade e os animais” na nossa edição de fevereiro/17.

(Por Paula Carolina Banhoz)

Fontes de pesquisa
Livro dos Espíritos
Livro dos Espíritos comentado por Miramez
Evangelho Segundo Espiritismo
Revista “O Mensageiro”, entrevista com Raul Teixeira.

Clique no link: https://www.youtube.com/watch?v=fYFHNgB3_Vs&feature=youtu.be

Revista Joseph Gleber - Ano 1 - Edição 4 -  Abril 2017


Um comentário:

  1. Não, "o homem não perece se não comer carne", não é verdade, eu sou a prova. Vegetariana há quarenta anos e vegana há seis, Protetora de Animais e Espírita, esse último título sem muita convicção, devido a muitos anos de observação humilde, porém conscienciosa sobre o que falam os renomados palestrantes e o que fazem. Uma contradição enaltecerem o amor aos animais, comendo eles. Muito controverso encherem a pança com os despojos deles e denominá-los IRMÃOS, salivando ainda os restos mortais de sua última refeição. O veganismo ou o vegetarianismo está sim, ligado ao espiritismo e aos movimentos religiosos em geral, porque todos pregam o amor e a caridade aos seres vivos, ainda que nem sempre pratiquem o que pregam e impossível separar religião de hábitos da conduta humana, é tudo interligado, somos UM. Por isso, contraditório quando respeitáveis líderes espíritas se reportam com veemência e fervor contra o aborto, a pena de morte, o suicídio e a eutanásia, deixando os animais da Criação fora do contexto do direito à vida, simplesmente porque não lhes convém deixar de almoçá-los. "Com o decorrer do tempo a humanidade caminhará para uma consciência de coletividade” (!?) Já estamos em pleno Apocalipse, gente boa, o tempo é AGORA e o Armagedon é justamente essa luta dentro de cada um de nós, do homem velho e do homem novo, não dá mais para esperar o “decorrer do tempo chegar” porque já estamos nele, JÁ ESTAMOS NELE! Importa é não perder o bonde para o simbólico Mundo de Regeneração, porque não se coaduna almejar habitar o mundo novo com a mesma retrógrada e obsoleta prática de matança e sangue de nossos irmãos animais. Até mesmo ateus já perceberam isso ao optarem pelo veganismo, por compaixão, por amor, por misericórdia, por caridade sem jamais terem aberto uma só pagina do Pentateuco. Enquanto isso, o blá blá blá nas tribunas espíritas continua o mesmo. Palavras bonitas com aplausos emocionados no final, enquanto lá longe dos nossos olhos e do nosso coração animais agonizam no Matadouro, sem nenhuma prece intercessória, um passe à distância ou simples pensamento de coragem diante da morte para onde não querem ir, mas vão, medrosos e trêmulos, desesperados e aflitos, implorando pelo seu bem maior, a vida. A VIDA!

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