quarta-feira, 3 de maio de 2017

SÉRIE CHICO XAVIER: REAPRENDENDO A FALAR


Chico sempre se sentiu sob vigilância constante. Um dia, na Fazenda Modelo, arrancou uma laranja do pé e ouviu a censura:

- "Ladrão".

Emmanuel poderia pegá-lo em flagrante a qualquer momento. E entrava em cena contrariado quando seu protegido usava palavras inconvenientes, falava em tom áspero ou dava sinais de agressividade e impaciência. Com o tempo, Chico passou a apostar na frase "o mal é o que sai da boca do homem" e começou a construir um discurso sob medida. Logo ele se tornou um mestre em eufemismos.

No seu mundo, não havia prostitutas, mas "irmãs vinculadas ao comércio das forças sexuais". Os presos eram "educandos", os empregados eram "auxiliares", os pobres eram "os mais necessitados", os mongolóides eram "nossos irmãos com sofrimento mental", os adversários eram "nossos amigos estimulantes" e os maus eram os "ainda não bons". Ninguém fazia anos e sim "janeiros" ou "primaveras". Os filhos de mães solteiras deveriam ser encarados como filhos de pais ausentes. A nota de vinte cruzeiros, entregue com freqüência aos pobres, ganharia um apelido inspirado em sua cor: "laranjada".

O cuidado com as palavras não era mera formalidade nem prova de educação.

Tinha fins preventivos, quase terapêuticos. O uso de expressões agressivas era perigoso, arriscado. Os maus pensamentos também. Era Kardec quem ensinava: "Os maus pensamentos corrompem os fluidos espirituais, como os miasmas deletérios corrompem o ar respirável..."

(SOUTO MAIOR, Marcel. As vidas de Chico Xavier. 2ª Ed. São Paulo: Planeta do Brasil, 2003. p. 108)


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