A caridade
Sede bons e caridosos: essa a chave dos céus, chave que
tendes em vossas mãos. Toda a eterna felicidade se contém neste preceito:
“Amai-vos uns aos outros. ” Não pode a alma elevar-se às altas regiões
espirituais, senão pelo devotamento ao próximo; somente nos arroubos da
caridade encontra ela ventura e consolação. Sede bons, amparai os vossos
irmãos, deixai de lado a horrenda chaga do egoísmo. Cumprido esse dever, abrir-se-vos-á
o caminho da felicidade eterna. Ao demais, qual dentre vós ainda não sentiu o
coração pulsar de júbilo, de íntima alegria, à narrativa de um ato de bela
dedicação, de uma obra verdadeiramente caridosa? Se unicamente buscásseis a
volúpia que uma ação boa proporciona, conservar-vos-íeis sempre na senda do
progresso espiritual. Não vos faltam os exemplos; rara é apenas a boa-vontade.
Notai que a vossa História guarda piedosa lembrança de uma multidão de homens
de bem. Eu vos citaria aos milhares aqueles cuja moral não tinha por objetivo
senão melhorar o vosso globo.
Não vos disse o Cristo tudo o que concerne às virtudes da
caridade e do amor? Por que desprezar os seus ensinamentos divinos? Por que
fechar o ouvido às suas divinas palavras, o coração a todos os seus bondosos
preceitos? Quisera eu que dispensassem mais interesse, mais fé às leituras
evangélicas. Desprezam, porém, esse livro, consideram-no repositório de
palavras ocas, uma carta fechada; deixam no esquecimento esse código admirável.
Vossos males provêm todos do abandono voluntário a que votais esse resumo das
leis divinas. Lede-lhe as páginas cintilantes do devotamento de Jesus, e
meditai-as. Eu mesmo me sinto envergonhado de ousar vos prometer um trabalho
sobre a caridade, quando penso que se encontram nesse livro todos os
ensinamentos que vos devem levar às regiões celestes. Homens fortes, armai-vos;
homens fracos, fazei da vossa brandura, da vossa fé, as vossas armas. Sede mais
persuasivos, mais constantes na propagação da vossa nova doutrina. Apenas
encorajamento é o que vos vimos dar; apenas para vos estimularmos o zelo e as
virtudes é que Deus permite nos manifestemos a vós outros. Mas, se cada um o
quisesse, bastaria a sua própria vontade e a ajuda de Deus; as manifestações
espíritas unicamente se produzem para os de olhos fechados e corações indóceis.
Há, entre vós, homens que têm a cumprir missões de amor e de caridade:
escutai-os, exaltai a sua voz; fazei se resplandeçam seus méritos e sereis, vós
próprios, exaltados pelo desinteresse e pela fé viva de que vos penetrarão.
As advertências detalhadas que vos deveriam ser dadas, sobre
a necessidade de ampliar o círculo da caridade e nele incluir todos os
infelizes, cujas misérias são ignoradas; todas as dores que, em nome dessa
doutrina – caridade – se devem buscar em seus redutos para os consolar, seriam
muito extensas. Vejo com satisfação que homens eminentes e poderosos auxiliam
esse progresso, que deve unir todas as classes humanas: os felizes e os
infelizes. Os infelizes – coisa estranha! – Dão-se todos as mãos e se ajudam
mutuamente em sua miséria. Por que são os felizes mais morosos em ouvir a voz
do infeliz? Por que necessitamos da mão dos poderosos da Terra para impulsionar
as missões de caridade? Por que não respondemos com mais ardor a esses apelos?
Por que deixamos a miséria, assim como o prazer, macular o quadro da
Humanidade?
A caridade é a virtude fundamental sobre que há de repousar
todo o edifício das virtudes terrenas. Sem ela não existem as outras. Sem a
caridade não há esperar melhor sorte, não há interesse moral que nos guie; sem
a caridade não há fé, pois, a fé não é mais do que pura luminosidade que torna
brilhante uma alma caridosa; é a sua consequência decisiva.
Quando deixardes que vosso coração se abra à súplica do
primeiro infeliz que vos estender a mão; quando lhe derdes algo, sem questionar
se sua miséria não é fingida ou se seu mal provém de um vício de que deu causa;
quando abandonardes toda a justiça nas mãos divinas; quando deixardes o castigo
das falsas misérias ao Criador; quando, por fim, praticardes a caridade
unicamente pela felicidade que ela proporciona e sem inquirir de sua utilidade,
então sereis os filhos amados de Deus e ele vos atrairá a si.
A caridade é, em todos os mundos, a eterna âncora da
salvação; é a mais pura emanação do próprio Criador; é a sua própria virtude,
dada por ele à criatura. Como desprezar essa bondade suprema? Qual o coração,
disso ciente, bastante perverso para recalcar em si e expulsar esse sentimento
todo divino? Qual o filho bastante mau para se rebelar contra essa doce
carícia: a caridade?
Não ouso falar do que fiz, porque também os Espíritos têm o
pudor de suas obras; considero, porém, a que iniciei como uma das que mais hão
de contribuir para o alívio dos vossos semelhantes. Vejo com frequência os
Espíritos a pedirem lhes seja dado, por missão, continuar a minha tarefa.
Vejo-os, minhas bondosas e queridas irmãs, no piedoso e divino ministério;
vejo-os praticando a virtude que vos recomendo, com todo o júbilo que deriva de
uma existência de dedicação e sacrifícios. Imensa dita é a minha, por ver
quanto lhes honra o caráter, quão estimada e protegida é a missão que
desempenham. Homens de bem, de boa e firme vontade, uni-vos para continuar
amplamente a obra de propagação da caridade; no exercício mesmo dessa virtude,
encontrareis a vossa recompensa; não há alegria espiritual que ela não
proporcione já na vida presente. Sede unidos, amai-vos uns aos outros, segundo
os preceitos do Cristo. Assim seja.
Referência: Matéria publicada na Revista Espírita de Kardec em agosto de 1858, mensagem enviada pelo espírito São Vicente de Paulo[1] na Sociedade de Estudos Espíritas, sessão de 8 de junho de 1858.
[1]
N. do T.: Essa instrução de São
Vicente de Paulo, com algumas modificações que a reduziram, foi inserida por
Allan Kardec em O Evangelho Segundo o
Espiritismo. Corresponde, na edição definitiva de 1866, ao capítulo XIII,
item 12.
Revista Joseph Gleber - Ano 1 - Edição 7 - Agosto/Setembro 2017
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